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quinta-feira, 18 de junho de 2015

Um estudo acerca de O Fortuna

Fragmento do Codex Buranus
Encontrado na biblioteca do mosteiro Benetiktbeuern, na Bavária, em 1803, o Codex Buranus é uma coleção de 254 poemas escritos entre os séculos XI e XIII pelos Goliardos, como eram chamados os monges errantes daquela época.
Os Goliardos eram conhecidos por escreverem sátiras às liturgias católicas e ao clero e por cantarem canções de amor e de apologia à lascívia, à glutonaria e aos demais atos tidos como pecados e imorais pela igreja. Muitos deles também escreviam críticas à busca de riquezas por parte dos religiosos.
Por terem sido considerados profanos, só foi publicado pela primeira vez em 1847 por Johann Andreas Schmeller. Johann deu ao Codex Buranus o nome de Carmina Burana (Cantos de Beuern), conhecido até hoje como tal.
Mosteiro Benediktbeuern, na Alemanha
Em 1936, Karl Off, um musico alemão, musicou 25 dos 254 poemas dos Carmina Burana, na obra de mesmo nome.
O trabalho de Orff foi tão bem sucedido que angariou prêmios e elogios do Reich.
Dos Carmina Burana musicados por Orff, o mais famoso é "O Fortuna", conhecido no mundo inteiro, já tendo sido temas de filmes, em séries, usado como ambientalização e jingle de comerciais.
Em 1975, o diretor francês de óperas Jean-Pierre Ponelle transforma a obra de Orff em uma cantata - que, diferente de uma ópera, não possui um história definida - também de mesmo nome.
O primeiro movimento da cantata, intitulado "Fortuna Imperatrix Mundi" (Fortuna, Imperatriz do Mundo) é dividido em dois atos, sendo o primeiro o mais famoso.
Fortuna é uma deusa pagã do período pré-cristão de Roma. A ela os romanos creditavam o destino. No Tarot, Fortuna é representada por uma roda, chamada de Roda da Fortuna. Na carta, as pessoas estão sobre a roda, onde um está por cima e outro por baixo.
Pintura de 1467, de Coërtivy Master
Na cantata de Ponelle, Fortuna é representada por uma estátua de duas faces cujos olhos estão cobertos e o dedo indicador levantado, significando que o destino a todos se aplica de forma imperativa, não sendo possível da "roda" escapar. Suas faces são de alegria e trizteza. A estátua está no centro de uma roda que é girada por duas figuras que representam o bem e o mal. Conforme giram a roda, a estátua também gira, mostrando as duas faces de Fortuna enquanto nos aros da roda, os destinos se mostram. Ora Bellum (Guerra), ora Pax (paz). Ora Folia (loucura), ora Sapientia (racionalidade).



A canção inicia-se com os versos:

O fortuna
Velut luna
Statu variabilis
Semper crescis
Aut decrescis
Vita detestabilis
Nunc obdurat
Et tunc curat
Ludo mentis aciem
Egestatem
Potestatem
Dissolvit ut glaciem

O monge errante que compôs esse poema buscou de forma racional e pessimista - Vita detestabilis (vida dedestável) - mostrar as características de Fortuna, dizendo ser ela "Velut Luna" (variável como a Lua) e que nada sobre seu império é permanente e tudo está fadado ao giro de sua roda: "Egestatem, potestatem Dissolvit ut glaciem" (pobreza e poder dissolvem-se como o gelo)
Afirmando que a roda de Fortuna a todos se aplicam, evidenciada por seus olhos vendados, como dito anteriormente, é possível agora notar muitas pessoas suplicando à Fortuna. Homens, mulheres, ricos e pobres. Todos acompanham os movimentos de Fortuna e sua roda.
Ao final do primeiro ato, a canção diz:

Sors salutis sorte
Et virtutis
Michi nunc contraria

O monge evidencia que não escapou à roda de Fortuna ao afirmar "O destino da saúde e virtude agora me são contrários".
O segundo ato inicia-se com um poema mais pessoal, onde o autor buscou verbalizar sua dor e experiência com o girar de Fortuna:

 Fortunae plango vulnera
stillantibus ocellis,
quod sua mihi munera
subtrahit rebellis.
(Lamento as feridas de Fortuna com meus olhos em lágrimas pelas graças que me dera e que de mim, perversamente, tirara.)

O segundo ato desenvolve-se mostrando a dança dos destinos mostrados nos aros da roda de Fortuna no começo do primeiro ato, evidenciado pelos aros vazios na roda ao fundo e dos utencílios que carregam, como Bellum, a espada, Tempus, a ampulheta e Pax, a pomba.
Um cocheiro aproxima-se e despeja ossos entre os destinos. Ossos de pessoas com as vestimentas que usavam quando em vida.
O ápice do segundo ato é quando os destinos dançam e brincam com os ossos, independente de quem tenham sido quando vivos, sublinhando a ironia de Fortuna, como declamado no último verso do poema:

nam sub axe legimus
Hecubam reginam.

(Sob o eixo está escrito "Rainha Hecuba".)

Hecuba era a rainha de Troia na época na guerra entre gregos e troianos. Hecuba, antes rainha, tornou-se prisioneira dos gregos após a invasão de seu reino.
Em 2008, a banda inglesa Coldplay lançou uma musica chamada "Viva la Vida", que, com referências bíblicas e históricas, contam a ascenção e queda de um grande homem que costumava a dominar o mundo (I used to rule the world)", mas encontrou sua ruína e passou a "varrer as ruas que um dia teve sob seu domínio (Sweep the streets I used to own).
Ao analisarmos a capa do album Viva La vida, que tem como fundo a imagem do famoso quadro "La Liberté Guidant de Peuple, de Delacroix, que retrata a Revolução Francesa, podemos concluir que a musica faz alusão ao declínio do Império Napoleônico (1804-1815).
Napoleão conquistou, entre outros, a Espanha, Itália e Varsóvia, sempre pela força bélica e apoiado pela burguesia.
O enfraquecimento do Império Napoleônico iniciou-se quando a Rússia, desobedecendo o bloqueio continental imposto por Napoleão, abriu seus portos à Inglaterra.
Napoleão invadiu a Rússia com a intensão de conquistá-la, porém sem sucesso, pois não contava com o frio russo.
O exército de Napoleão, após a derrota na Rússia, enfraqueceu-se e no dia 18 de julho de 1815, derrotado na Batalha de Waterloo, o Império Napoleônico chegou ao fim.
Assim como nos Carmina Burana, Viva La Vida mostra que o destino é cruel, inevitável e a ele todos estão fadados.

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