Fragmento do Codex Buranus |
Encontrado
na biblioteca do mosteiro Benetiktbeuern, na Bavária, em 1803, o Codex Buranus
é uma coleção de 254 poemas escritos entre os séculos XI e XIII pelos
Goliardos, como eram chamados os monges errantes daquela época.
Os
Goliardos eram conhecidos por escreverem sátiras às liturgias católicas e ao
clero e por cantarem canções de amor e de apologia à lascívia, à glutonaria e
aos demais atos tidos como pecados e imorais pela igreja. Muitos deles também
escreviam críticas à busca de riquezas por parte dos religiosos.
Por
terem sido considerados profanos, só foi publicado pela primeira vez em 1847
por Johann Andreas Schmeller. Johann deu ao Codex Buranus o nome de Carmina
Burana (Cantos de Beuern), conhecido até hoje como tal.
Mosteiro Benediktbeuern, na Alemanha |
Em
1936, Karl Off, um musico alemão, musicou 25 dos 254 poemas dos Carmina Burana,
na obra de mesmo nome.
O
trabalho de Orff foi tão bem sucedido que angariou prêmios e elogios do Reich.
Dos
Carmina Burana musicados por Orff, o mais famoso é "O Fortuna",
conhecido no mundo inteiro, já tendo sido temas de filmes, em séries, usado
como ambientalização e jingle de comerciais.
Em
1975, o diretor francês de óperas Jean-Pierre Ponelle transforma a obra de Orff
em uma cantata - que, diferente de uma ópera, não possui um história definida -
também de mesmo nome.
O
primeiro movimento da cantata, intitulado "Fortuna Imperatrix Mundi"
(Fortuna, Imperatriz do Mundo) é dividido em dois atos, sendo o primeiro o mais
famoso.
Fortuna
é uma deusa pagã do período pré-cristão de Roma. A ela os romanos creditavam o
destino. No Tarot, Fortuna é representada por uma roda, chamada de Roda da
Fortuna. Na carta, as pessoas estão sobre a roda, onde um está por cima e outro
por baixo.
Pintura de 1467, de Coërtivy Master |
Na
cantata de Ponelle, Fortuna é representada por uma estátua de duas faces cujos
olhos estão cobertos e o dedo indicador levantado, significando que o destino a
todos se aplica de forma imperativa, não sendo possível da "roda"
escapar. Suas faces são de alegria e trizteza. A estátua está no centro de uma
roda que é girada por duas figuras que representam o bem e o mal. Conforme
giram a roda, a estátua também gira, mostrando as duas faces de Fortuna
enquanto nos aros da roda, os destinos se mostram. Ora Bellum (Guerra), ora Pax
(paz). Ora Folia (loucura), ora Sapientia (racionalidade).
A
canção inicia-se com os versos:
O
fortuna
Velut
luna
Statu
variabilis
Semper
crescis
Aut
decrescis
Vita
detestabilis
Nunc
obdurat
Et
tunc curat
Ludo
mentis aciem
Egestatem
Potestatem
Dissolvit
ut glaciem
O
monge errante que compôs esse poema buscou de forma racional e pessimista -
Vita detestabilis (vida dedestável) - mostrar as características de Fortuna,
dizendo ser ela "Velut Luna" (variável como a Lua) e que nada sobre
seu império é permanente e tudo está fadado ao giro de sua roda:
"Egestatem, potestatem Dissolvit ut glaciem" (pobreza e poder
dissolvem-se como o gelo)
Afirmando
que a roda de Fortuna a todos se aplicam, evidenciada por seus olhos vendados,
como dito anteriormente, é possível agora notar muitas pessoas suplicando à
Fortuna. Homens, mulheres, ricos e pobres. Todos acompanham os movimentos de
Fortuna e sua roda.
Ao
final do primeiro ato, a canção diz:
Sors
salutis sorte
Et
virtutis
Michi
nunc contraria
O
monge evidencia que não escapou à roda de Fortuna ao afirmar "O destino da
saúde e virtude agora me são contrários".
O
segundo ato inicia-se com um poema mais pessoal, onde o autor buscou verbalizar
sua dor e experiência com o girar de Fortuna:
Fortunae plango vulnera
stillantibus
ocellis,
quod
sua mihi munera
subtrahit
rebellis.
(Lamento
as feridas de Fortuna com meus olhos em lágrimas pelas graças que me dera e que
de mim, perversamente, tirara.)
O
segundo ato desenvolve-se mostrando a dança dos destinos mostrados nos aros da
roda de Fortuna no começo do primeiro ato, evidenciado pelos aros vazios na
roda ao fundo e dos utencílios que carregam, como Bellum, a espada, Tempus, a
ampulheta e Pax, a pomba.
Um
cocheiro aproxima-se e despeja ossos entre os destinos. Ossos de pessoas com as
vestimentas que usavam quando em vida.
O
ápice do segundo ato é quando os destinos dançam e brincam com os ossos,
independente de quem tenham sido quando vivos, sublinhando a ironia de Fortuna,
como declamado no último verso do poema:
nam
sub axe legimus
Hecubam
reginam.
(Sob
o eixo está escrito "Rainha Hecuba".)
Hecuba
era a rainha de Troia na época na guerra entre gregos e troianos. Hecuba, antes
rainha, tornou-se prisioneira dos gregos após a invasão de seu reino.
Em
2008, a banda inglesa Coldplay lançou uma musica chamada "Viva la
Vida", que, com referências bíblicas e históricas, contam a ascenção e
queda de um grande homem que costumava a dominar o mundo (I used to rule the
world)", mas encontrou sua ruína e passou a "varrer as ruas que um
dia teve sob seu domínio (Sweep the streets I used to own).
Ao
analisarmos a capa do album Viva La vida, que tem como fundo a imagem do famoso
quadro "La Liberté Guidant de Peuple, de Delacroix, que retrata a
Revolução Francesa, podemos concluir que a musica faz alusão ao declínio do
Império Napoleônico (1804-1815).
Napoleão
conquistou, entre outros, a Espanha, Itália e Varsóvia, sempre pela força
bélica e apoiado pela burguesia.
O
enfraquecimento do Império Napoleônico iniciou-se quando a Rússia,
desobedecendo o bloqueio continental imposto por Napoleão, abriu seus portos à
Inglaterra.
Napoleão
invadiu a Rússia com a intensão de conquistá-la, porém sem sucesso, pois não
contava com o frio russo.
O
exército de Napoleão, após a derrota na Rússia, enfraqueceu-se e no dia 18 de
julho de 1815, derrotado na Batalha de Waterloo, o Império Napoleônico chegou
ao fim.
Assim como nos
Carmina Burana, Viva La Vida mostra que o destino é cruel, inevitável e a ele todos
estão fadados.
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